sábado, 28 de maio de 2011

Era uma vez uma máquina... Parte 3

Fundamental passou voando.
Mais ou menos lá na 7ª, 8ª série eu consegui começar a me enturmar.
Acho que os velhos preceitos, aqueles em que eu achava que tinha que me excluir, morreram.
Não sei bem ao certo.

Sei que na época, eles brincavam de algo que eu não entendia.
Verdade ou Castigo.
Algo assim.
Eu sabia por cima.
Mas era uma brincadeira para convidados.
Você tinha que ser convidado por alguém da turma.
Acho que esse foi um dos motivos para eu ter tentado me enturmar.

Consegui me enturmar após alguns testes e vandalismo desnecessário,  finalmente pude participar da roda.
Fui aos encontros, às festas e tudo o mais que eles marcavam.
Me convidaram pra jogar o tal jogo.
Depois de alguns minutos sentado na mesa, cheguei à conclusão de que, aquele jogo, não passava de um modo fácil de beijar sem compromisso.
Fútil.
Roda garrafa.
Minha vez.
Verdade ou Castigo?
Castigo diz ela.
Teu castigo, é não ter castigo. Não vou obrigar você a beijar ninguém. - disse enquanto me levantava da cadeira e ia em direção à porta.

Nunca mais fui chamado pra esse tipo de brincadeira.
Acho que eu violei algum tipo de regra social.
Algum tipo de regra em que eu tinha que fazer a menina beijar o moleque torto, de óculos, sentado à minha direita.

Aos poucos fui me afastando da turma de novo.
Eles não faziam questão da minha presença, nem eu da presença deles.
Olha lá, o Rudloff sozinho de novo.
É, acho que era isso que as pessoas pensavam de mim.
Ou não.

Fundamental acabou.
Obrigado.
Todo mundo com as becas.
Fingindo ser formando.
Ótimo, lindo.
Peguei o canudo e fui embora.
Dando vivas que nunca mais veria aquelas pessoas.

Ok.
Não foi bem assim,  com todo esse alívio que eu saí do fundamental.
Deixei sim alguns e poucos "amigos".
Não que fosse sentir muita falta, mas eles estavam ali pra conversar quando eu queria.

Pois bem.
Terminei a escola.
Cheguei pra minha mãe e perguntei:
-Mãe, terminei a escola e agora?
-Agora você começa tudo de novo - disse ela enquanto terminava de se arrumar pra ir ao trabalho.

Ela nunca mais se casou.
Nunca mais amou novamente.
Ela não tinha tempo pra isso.
Nem vontade.

Fui pro Ensino Médio.
Outra escola.
Outras pessoas.
Mesma reclusão social?
Não sei, talvez sim, talvez não.

1º colegial.
Tudo novo.
Matérias novas, professoras novas, tudo novo.
Ali, eu vi nos olhos das pessoas, as mesmas dores que eu enxergava nos meus quando me olhava no espelho.
Pessoas que tinham provado a dor da perda.
A dor da derrota.
A dor do crescimento.
Vi neles, as mesmas cores, ou falta delas, que eu via em mim, em minha mãe e em minha própria casa.
O cinza.
O cinza da indiferença.

Pois bem.
Fase nova.
Começo a estudar.
As pessoas.
Eu tinha me esquecido das pessoas.
Na verdade, eu nunca aprendi conviver com pessoas.
Mas, ali, naquela sala, as pessoas eram esquecidas por todos, então, aprendi a conviver com elas, a me aproximar delas.

"Era uma roda muito engraçada, não tinha riso, não tinha nada.
Ninguém podia contar piadas, pois as pessoas não riam não.
Ninguém podia contar histórias, pois as pessoas não queriam lembrar"

Era assim.
Nós não contávamos as histórias de nossas vidas.
Elas já eram muito trágicas para serem relembradas em rodas de amigos.
Não tinhamos piadas.
Crescemos e nascemos numa era sem senso de humor.
Mas conversávamos.

- Hey Terry, fiquei sabendo do seu último fim de semana. Pelo jeito August não irá mais te infernizar por você ser assim, estranho. - dizia Mark
- Nem fiz nada de mais Mark. Apenas expulsei ele do quintal da minha casa. - respondi enquanto terminava o dever que a professora passava na lousa.
- É, mas pra isso você o pegou pelo colarinho e o tacou lá na calçada. Fiquei sabendo que, você só não continuou a perseguí-lo, pois os vizinhos te seguraram. - ele retrucou, rindo, sabendo que era meio impossível isso.
- Rá! Você só pode estar brincando. Se eu conseguisse correr, já teria corrido desse bairro, desse lugar em que moro. - disse me fechando e pensando.

Mark sabia que era verdade.
Ele também se sentia assim.
Todos nós nos sentíamos assim.

Bom, esqueci de uma coisa.
Vocês podem ter estranhado quando eu falei que seria impossível sair correndo atrás de August.
É, eu falando aqui e esqueci de me descrever.
Regra básica de um texto, descrição e eu aqui esquecendo disso.
Enfim.
Além de tudo o que aconteceu em minha infância, aos 8 anos eu tive poliomelite.
Eu perdi parte dos movimentos das pernas e hoje eu manco.
No começo foi um golpe duro para minha mãe.
Ela não tinha dinheiro para o tratamento e eu fui me adaptando à essa condição.
Como um bom ser-humano claro.
Nós somos os mestres da adaptação.

Mark.
Mark é realmente um amigo.
Ele vai e volta comigo da escola.
Nos entendemos.
Na maioria das vezes claro.

Sem pai, com polio, manco, sem amigos no fundamental, poucos amigos no médio, mãe desinteressada na vida e um caminho estranho na minha frente.
É assim que eu resumo esse começo da minha vida.
Calma.
Eu vou continuar essa história.
Mas em partes claro.
Pra que acabar com o suspense?
As melhores histórias vem em partes.
Assim é a vida.
Em partes.

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